MARCOS HISTÓRICOS DE PICOS


1.1- PICOS: ORIGENS E POVOAMENTO

O devassamento da região onde se situam, hoje, o município de Picos e os municípios dele desmembrados (Bocaina, Santo Antônio de Lisboa, Itainópolis, São José do Piauí, Monsenhor Hipólito e Francisco Santos) remonta aos fins do século XVII [1]1.

No início do século XVII [1], precisamente no ano de 1700, uma Cruz foi fincada no lugar “Tanque” Fazenda Curralinho, assinalando a passagem de missionários na região. Segundo pesquisas feitas pelo Monsenhor Joaquim de Oliveira Lopes (1871-1925), esses missionários eram padres da Companhia de Jesus, proprietários, nos sertões da província de São José do Piauí, das trinta e três fazendas doadas pelos descendentes do sertanista Domingos Afonso Mafrense.

Ao redor dessa cruz, que ficou conhecida como Cruz das Almas, foram, os poucos moradores da região, sepultando seus mortos e, nesse mesmo local, em 1914, Monsenhor Lopes construiu, com a ajuda dos moradores da Fazenda Curralinho, o cemitério, ainda hoje existente.

Foi também no século XVIII, no ano de 1741, que Víctor de Barros Rocha recebeu do Capitão General do Estado, de acordo com as determinações do Rei de Portugal, D. João V, a carta de sesmaria da fazenda Samambaia. A esse tempo já existiam as fazendas Curralinho, Bocaina, Sussuapara e outras. Antes, as terras ocupadas por essas fazendas eram habitadas pelos índios Acaroás (coroados) e Jaicós.

1 - As numerações destacadas em colchetes indicam possíveis fontes evidenciadas pelo autor, conforme documentos originais, mas que não foram encontradas para registro nessa obra.


1.2- FAMÍLIAS: COSTUMES E RELIGIOSIDADE DOS PRIMEIROS HABITANTES

Os primeiros desbravadores e povoadores da região foram os Sousa Martins, Borges Leal, Borges Marinho, Gonçalves Guimarães, Coelho Rodrigues, Rocha, Barros, Frazão, Moura, Pereira, Macêdo, Brito. Logo depois vieram os Fontes, Neiva, Rego, Santos, Portela e mais tarde, os italianos.

De início, a terra era propriedade dos fazendeiros, criadores de gado vacum, cavalar, caprinos e ovinos. Senhores de muitas terras e muitos escravos.

Era comum o casamento entre primos, registrando-se, muitas vezes, casamentos de tios com sobrinhas e vice-versa. As famílias se entrelaçavam com casamentos entre filhos de fazendeiros vizinhos, já de si, parentes próximos, tornando mais próximo ainda o grau de parentesco e fundando, assim, novos núcleos familiares e, consequentemente, novas fazendas.

Agricultura, só mesmo a de consumo. Os agricultores formavam a classe dos pequenos criadores, muitos deles escravos alforriados ou mestiços, filhos de escravas com o próprio amo ou com os senhorzinhos.

Por outro lado, como a principal atividade do meio e da época era a criação de gado, em pontos dispersos das vastas fazendas situavam-se os “retiros”, geralmente dando origem a outras tantas fazendas.

Vizinha das fazendas dos jesuítas, a região sofreu profunda influência religiosa. Junte-se a isso o fato de serem os primeiros povoadores convictamente católicos, no sentido de acreditarem em Deus e seus desígnios, venerarem imagens, construírem capelas, darem esmolas, enfim, procuravam fazer tudo o que preceituava a Santa Igreja Católica Apostólica Romana.

Eram supersticiosos. No entanto, já por índole, já pelas solidões que os cercavam. Superstição essa, que se acentuou, mais ainda através do contato com os Negros Escravizados e com os Povos Indígenas habitantes dos Sertões da Capitania do Piauhy. Fatalistas, aceitavam os acontecimentos como prêmio ou castigo de Deus. Era comum em toda casa-grande das fazendas uma sala reservada para “os santos”. Além do Crucifixo, as imagens mais veneradas eram as de Nossa Senhora da Conceição, Nossa Senhora do Rosário, Santa Ana, São Sebastião (protetor contra a peste, fome e guerras), Santa Luzia (protetora dos olhos), Santa Bárbara e São Gerônimo (protetores contra raios e tempestades), São Bernardo (influência dos jesuítas), Santo Antônio (a quem eram atribuídos poderes contra o demônio, e o achado das coisas perdidas), São Bento (protetor contra as cobras), São Roque, São Domingos e outros.

Ao invés de dizer-se comprar imagens, dizia-se, trocar imagens.

Na falta de imagens, adquiriam-se litografias em quadros que eram expostos nas paredes, como ainda se vê.

Nas casas das fazendas rezava-se o rosário e à noite, na mesinha do oratório, ardia sempre uma vela de cera de carnaúba.

Os livros de oração eram: Horas Marianas, Missão Abreviada, Doutrina Cristã, e Escudo Admirável, assim como o livro para a leitura nas horas de lazer era a história de Carlos Magno e os doze Pares de França.

A devoção à Nossa Senhora do Perpétuo Socorro foi trazida e divulgada pelas famílias italianas que se estabeleceram em Picos, no terceiro quartel do século XIX e à do Sagrado Coração de Jesus e de Maria, com a fundação do Apostolado da Oração, em 1897.

Os padres eram bem recebidos no seio das famílias. Era o amigo, o conselheiro, o sábio que entendia bem das coisas do céu e da terra. Os fazendeiros orgulhavam-se de tê-lo sob o seu teto e, às vezes, sob sua proteção. Conta-se de um jesuíta que ajudou o Padre João de Sampaio na construção da Capela da Bocaina, quando da expulsão dos Padres da Companhia de Jesus dos domínios portugueses, em 1759. Esse padre conseguiu fugir do Brejo de Santo Inácio, com um companheiro que pereceu afogado nas águas do Itaim. E refugiou-se em Bocaina. Carinhosamente recebido por todos e com a proteção dos senhores da fazenda, exerceu lá o seu sacerdócio sem que ninguém o denunciasse. Vindo a falecer, anos depois, foi sepultado na mesma Capela de Nossa Senhora da Conceição, que ajudara a construir.


1.3- VIDA RELIGIOSA E CRIAÇÃO DA FREGUESIA DE NOSSA SENHORA DOS REMÉDIOS


1.3.1- Missões: as primeiras capelas

Segundo a tradição, quem primeiro missionou na região onde hoje se localizam os municípios de Picos e os outros municípios dele desmembrados, foi o Padre Antônio Leal, e que teria sido ele quem, nessa mesma região, celebrou a primeira missa.

No entanto, a mais antiga fazenda criada na região foi a de Bocaina, onde, em 1754, o sertanista Borges Marinho fez edificar a Capela, que ainda existe, sob a invocação de Nossa Senhora da conceição. Diz ainda a tradição que a Capela foi benta e solenemente inaugurada a 8 de dezembro daquele mesmo ano, pelo Pe. Dr. João de Sampaio, da Companhia de Jesus. A solenidade foi precedida de um novenário, tendo sido bentas, a 29 de novembro, as imagens de Nossa Senhora da Conceição e Nossa Senhora do Rosário, padroeira dos escravos.

Perdidas nos imensos sertões da Província de São José do Piauí, com um número reduzido de habitantes, as fazendas Curralinho, Bocaina, Sussuapara e Samambaia foram lentamente prosperando. O comércio e as comunicações com o Maranhão, Ceará, Pernambuco e Bahia eram feitas através de Oeiras, capital da Província.

Já para os fins do século XVIII, apareceram os cavalarianos (compradores de cavalos) pernambucanos e baianos, atraídos pela boa qualidade dos animais da região.

Em determinada época do ano, os fazendeiros e moradores das fazendas Curralinho, Bocaina, Sussuapara e Samambaia reuniam-se com os cavalarianos, na confluência do Riacho do Moura com o Rio Guaribas, no lugar “Retiro”, onde Miguel Borges Leal havia fincado os mourões de seus currais, no exato lugar onde hoje se situa a Rua Velha, na cidade de Picos. Com essa espécie de comércio foram surgindo os primeiros ranchos, depois as casas de taipa cobertas de palha de carnaúba, enfim, um arruado.

Em 1832, Roberto Borges Leal e seus irmãos, filhos e herdeiros de Miguel Borges Leal, convidaram os franciscanos menores, Frei Pedro e Frei Doroteu para pregar missões na fazenda dos Picos, como já era conhecida. Esses missionários celebravam, pregavam, batizavam e ministravam outros sacramentos, à sombra de frondosas ingazeiras, à margem direita do rio guaribas. Como lembrança de sua passagem, Frei Pedro e Frei Doroteu deixaram uma cruz que, até 1919, ainda se via em frente â Capela do Sagrado Coração de Jesus. Com a saída dos missionários, os habitantes do lugar passaram a sepultar os mortos perto do Cruzeiro das Missões.

Foi ainda na década de 1830 que Roberto Borges Leal e seus irmãos, com a ajuda do Padre Francisco de Paula Moura, primeiro sacerdote filho da terra picoense, construíram a humilde capela, toda em madeirame de carnaúba, dedicada à São José – hoje igrejinha do Sagrado Coração de Jesus – cuja imagem Miguel Borges Leal, o patriarca da família, trouxera consigo, quando aqui se estabeleceu, na metade do século XVIII.

Ao redor da Capela de São José foram se agrupando casas que deram origem ao povoado, vila e, mais tarde, cidade de Picos.

1.3.2- Nossa Senhora dos Remédios: Padroeira de Picos

Ozildo Albano escreveu e divulgou a história da chegada da Imagem de Nossa Senhora dos Remédios em Picos, fato marcante para a religiosidade da cidade e que tem servido de referência para os pesquisadores e para todos aqueles que se interessam pela história local e/ou regional.
Por ocasião dos 140 anos da chegada da Imagem de Nossa Senhora dos Remédios, o texto foi publicado no Jornal de Picos, editado em 14 de agosto de 1987.

NOSSA SENHORA DOS REMÉDIOS
PADROEIRA DE PICOS

Na tarde do dia 31 de dezembro de 1847, chegou a Picos a imagem de Nossa Senhora dos Remédios, conduzida de Salvador, Bahia, até Picos, por um escravo, a pé, que, como prêmio, recebeu a carta de alforria.

Segundo a tradição oral e o depoimento de pessoas contemporâneas que viviam ainda no início do século XX, a imagem foi encomendada pelo Coronel Victor de Barros Silva, em cumprimento à promessa feita por seu vaqueiro João das Dores, para que seu filho e o filho do patrão voltassem sãos e salvos da guerra (Balaiada), da qual participaram, sob o comando do Capitão José Francisco Fontes.

Pela imagem que veio de Portugal para a Bahia, Víctor de Barrros pagou a importância de $40.000(quarenta mil réis), produto da venda de dez vacas paridas.

Não se conservou o nome do escravo que conduziu, pelos ínvios caminhos do sertão, ao tempo das primeiras águas, a imagem da padroeira de Picos. Sabe-se, no entanto, que era escravo do mesmo Victor de Barros.

O humilde negro não sabia nenhum bendito à Senhora dos Remédios. Na sua simplicidade, porém, adaptou o de Nossa Senhora do Rosário (Padroeira dos Escravos), e vinha, pelos caminhos, cantando, sozinho, aos ermos e à Virgem:

“Vinde, devotos fiéis.
Doce hino entoar
À senhora dos Remédios,
Virgem pura singular”

Bendito esse que, ainda hoje, se canta e nos comove!

Sabe-se, também, que por onde passava, a Imagem era recebida festivamente. Na então freguesia de Jaicós, fez-se uma procissão e Nossa Senhora das Mercês acompanhou, em andor, Nossa Senhora dos Remédios até a serra. Ao aproximar-se de Picos, na fazenda Samambaia, formou-se um cortejo, acompanhado de fogos, rezas e cantos. A imagem de Nossa Senhora dos Remédios entrou no Povoado dos Picos, pela Passagem das Pedras.

No dia 1º de janeiro de 1848, a imagem de Nossa Senhora dos Remédios foi benta pelo primeiro sacerdote picoense, Pe. Francisco de Paula Moura.

Pela Resolução Civil nº308, de 11 de setembro de 1851, o Povoado dos Picos é elevado à Freguesia, sob o orago de Nossa Senhora dos Remédios, em virtude da grande devoção que, já àquela época, se tinha à sua veneranda imagem. A primeira sede da Freguesia foi a Capela de São José. Mais tarde, a 2 de janeiro de 1854, a Freguesia de Nossa Senhora dos Remédios foi, canonicamente, reconhecida pelo Bispo do Maranhão, D. Manoel Joaquim da Silveira. O primeiro vigário da Freguesia foi o padre José Dias de Freitas, quetomou posse a 7 de maio de 1854.

Somente em 1871, foi edificada a igreja da Padroeira de Picos pelo Pe. Dr. José Antônio Pereira Ibiapina, que a construiu em apenas noventa dias. A imagem de Nossa Senhora dos Remédios, em festiva procissão, foi levada para seu templo, com grande acompanhamento, pelo frei Ibiapina – como era popularmente conhecido aquele venerando apóstolo dos sertões nordestinos. Os sinos da igreja foram doados naquele mesmo ano pelo Sr. Justiniano Antônio de Macêdo.

Por ter sido benta no Dia de ano, a Padroeira de Picos foi festejada durante muitos anos no dia 1º de janeiro. O Pe. João Severino de Miranda Barbosa, vigário de Picos (1878-1896) mudou os festejos para 16 de outubro, data em que, em todos os países latinos festeja-se Nossa Senhora dos Remédios. Em 1910, o padre João Hipólito de Sousa Ferreira fez voltar a festa para o dia 1º de janeiro. D. Expedito Lopes, 1º Bispo de Oeiras, transferiu a festa para o dia 15 de agosto. D. Edilberto Dinkelborg tornou a mudar a festa para o dia 1º de janeiro. Finalmente, após consulta aos paroquianos, Nossa Senhora dos Remédios está sendo festejada a 15 de agosto, data do dogma da Asunção de Maria aos céus.

O certo é que, neste ano em que se completam 140 anos de sua chegada a Picos, durante várias gerações, a imagem querida de Nossa Senhora dos Remédios continua venerada pelos diversos filhos picoenses que nunca a esquecem e que a Ela recorrem em todos os momentos.



José Albano de Macêdo(OZILDO)
Museu João Gomes Caminha
Picos-Piauí